“Os ucranianos lutam por todos nós” – Svetlana Alexievich
A Prémio Nobel da Literatura em 2015, Svetlana Alexievich, disse, este sábado, 11, perante uma plateia cheia que assistiu ao tema “Fronteiras”, no FÓLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, que “os ucranianos não lutam pelo seu país, mas por todos nós”. Preocupada com o crescimento do populismo no mundo, a escritora bielorrussa considerou que “a liberdade é um caminho muito longo”.
“Os ucranianos não lutam pelo seu país, mas para que as tropas russas não cheguem à Polónia e a outros países. Lutam por todos nós”, sublinhou Svetlana Alexievich. “Basta ver o mapa da Rússia, que é um país muito grande. É fácil perceber que, para adquirir esses territórios todos, teve de lutar. A sua identidade foi formada por essas lutas. Ou estavam a lutar, ou estavam a preparar-se para a guerra”, justificou.
A escritora bielorrussa, de 76 anos, confessou que, entre as pessoas da sua geração, ninguém pensava que a guerra ia voltar. “É um erro nosso, que não conseguimos prever”, assumiu. “Mas não somos só nós que somos românticos. Noutros países, aconteceu a mesma coisa. Agora, não podemos abrir um jornal ou um computador sem ver notícias sobre a III Guerra Mundial, que não sabemos se já começou, ou se estamos nela.”
“Nos últimos cinco anos, mais de cinco milhões de bielorrussos tiveram de sair do país, e cerca de 50 mil pessoas foram julgadas e condenadas a penas entre cinco e 10 anos de prisão. Foi o preço que pagámos pelo romantismo dos anos 90”, observou Svetlana Alexievich, que se mudou para Berlim, na Alemanha, em 2020. “Pensávamos que nos íamos livrar dos comunistas, mas depois percebemos que a liberdade é um caminho muito longo.”
A escrever o livro “O Fim do Homem Vermelho”, expressão que remete para o colapso da União Soviética, em que retrata o medo que se vive desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a autora contou que falou com um “ativista bielorrusso que já não vive no país e que, simplesmente, fica na fronteira a cheirar e a olhar”, representando a dor dos outros cidadãos que também foram obrigados a fugir. “Deixei lá milhares de páginas de manuscritos, porque tive de sair”, recordou.
País ocupado pela Rússia
Apesar de o exército bielorrusso não estar em guerra, a escritora considerou que estão a preparar a população para esse cenário. “O país está cheio de tropas, aviões e soldados russos feridos nos hospitais”, revelou. “É uma vergonha que façamos tão pouco para ajudar a Ucrânia, mas somos um país ocupado”, justificou. “É pena que a Europa e os Estados Unidos tivessem perdido tanto tempo no início [da invasão da Rússia], em vez de terem enviado armamento à Ucrânia para poder dar uma resposta mais adequada. Putin [presidente russo] não teria chegado tão longe.”
“Para a Ucrânia, está a ser muito duro, porque a Rússia não valoriza a vida os seus próprios soldados”, garantiu Svetlana Alexievich. “Estamos a viver tempos muito difíceis, com a extrema-direita a ganhar cada vez mais força no mundo, mas tenho esperança de que a democracia volte. Os ditadores não vão conseguir vencer o tempo, porque o tempo é irreversível”, defendeu. “As coisas horríveis começam quando as pessoas bondosas ficam caladas. O que temos de fazer é não ficar calados”, alertou.
Autora de “A Guerra Não tem Rosto de Mulher”, “As Últimas Testemunhas”, “Meninos de Zinco” e “O Fim do Homem Soviético”, a escritora premiada com o Prémio Nobel da Literatura em 2015 foi influenciada pelos relatos das mulheres da aldeia onde viveu, cujos maridos tinham morrido ou ainda não tinham voltado da guerra. Apesar de a casa ter muitas obras literárias, garantiu que as histórias que as camponesas contavam, sobre o amor e a guerra, eram mais fortes do que livros inteiros.